"O Gato Fedorento influenciou-me mais do que Monty Python"

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"O Gato Fedorento influenciou-me mais do que Monty Python"

"O Gato Fedorento influenciou-me mais do que Monty Python"

© Raquel Pelicano

Com saudades do sotaque português - e da gastronomia -, o humorista e ator Gregório Duvivier está ansioso por regressar a Portugal com a peça 'O Céu da Língua', que o vai levar também pela primeira vez ao Alentejo.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o humorista fala não só sobre a peça em si, que tem estreia marcada para esta terça-feira, dia 17 de junho, e vai passar por 12 cidades até julho, como também do peso das palavras, que são um "campo de batalha". Nesta conversa, Duvivier aborda ainda a importância da cultura.

Lembrando a altura em que o Brasil viu engolida a pasta da Cultura - com Michel Temer e Jair Bolsonaro -, Duvivier apontou que, no seu entender, "Portugal é gigante graças à cultura". "Para mim, onde Portugal é maior não é nas navegações, não é no seu passado. É no século XX/XXI na sua poesia". E reiterou: "Onde Portugal está em primeiro lugar do mundo inteiro é na cultura."

E se Duviver é dos humoristas brasileiros mais acarinhados em Portugal, o ator da Porta dos Fundos confidenciou que é fã de Bruno Aleixo - e não só - e revelou que gostava de trabalhar com Tiago Rodrigues, "o maior encenador do mundo".

Mais do que fazer uma peça nova, o objetivo é fazer com quem as pessoas consigam assistir

'O Céu da Língua' volta a Portugal depois de ter sido um sucesso no ano passado. Para quem já viu, e com o mínimo de 'spoilers', o que pode esperar de novo?

Portugal foi a nossa grande estreia. A peça é a mesma, mas vai ser ainda mais ágil. Com alguns acréscimos, mas nada muito diferente.

O principal motivo para voltarmos é que [o ano passado] foi uma temporada curta. Fizemos até sessões duplas, mas ainda assim faltava muita gente que queria ver. Mais do que fazer uma peça nova, o objetivo é fazer com quem as pessoas consigam assistir.

Do Sul ao Norte, o espetáculo vai passar por 12 cidades. Há algum lugar em que esteja ansioso por atuar?

Sim, no Alentejo. É a minha primeira vez no Alentejo, em Beja. E sou louco para conhecer o Alentejo. Nunca fui. Vai ser muito legal.

O brasileiro é muito focado numa vida em torno do trabalho, da produtividade; os portugueses sabem viver

O que tem Portugal que tanto o faz querer voltar?

Muitas coisas. A primeira coisa que me ocorre é a comida. Também há o vinho. E os amigos. Já tenho muitos amigos, uns vivem quase uma vida dupla, tenho muitas pessoas queridas aí.

Morro de saudades do sotaque, da voz, da maneira que usam a língua portuguesa também. Acho que a vida em Portugal tem uma tranquilidade maior do que no Brasil. No Rio de Janeiro, onde eu moro, é muito agitado, barulhento.

Em Portugal também há boémia, mas sinto que têm uma forma de viver um pouco mais tranquila. Aquilo que se chama de 'slow living'. Portugal sabe viver e curtir a vida. Não é apenas beber e comer direito, mas também aproveitar a vida para além do trabalho. Acho que o brasileiro é muito focado numa vida em torno do trabalho, da produtividade; os portugueses sabem viver.

A peça é dirigida por Luciana Paes, que descreveu como sendo a sua atriz preferida no Brasil. Qual a visão que a Luciana Paes tem que faz diferença nesta - ou noutras - peças?

A Luciana é uma grande atriz. É um encontro muito profícuo. Ela tem a mesma perceção que eu tenho nas palavras e a gente acaba por ir 'mandando' palavras: "Olha para essa palavra, que delícia. Olha o som que faz a palavra fofoca. Olha a origem. Fococa vem de banto, da língua africana. Cafuné." É uma peça que teve esse encontro nosso, escrevemos juntos.

Este espetáculo gira, lá está, em torno das palavras. Faz falta, hoje em dias, as pessoas aperceberem-se do peso que as palavras têm?

Sim. Usamos as palavras, mas pensamos pouco sobre elas. Na maior parte das discussões não só usamos as palavras, como também são sobre elas. As discussões políticas, ou mesmo [a palavra] Portugal. O que é que significa Portugal. Toda a discussão é semântica em alguma medida. Acho que as palavras são mesmo um campo de batalha.

A primeira coisa em qualquer discussão é definir bem o que é que queremos dizer pelas palavras que usamos. Nesse sentido acho que é mesmo muito importante - politicamente, enquanto sociedade - sabermos usar as palavras e usá-las com consciência. Não acho que elas sejam 'só' palavras, acho que têm mesmo um peso e valor gigantes.

Portugal já teve festivais de teatro português no Brasil [...] Além de advogar uma arte, a cultura gera emprego

Que projetos humorísticos portugueses segue e quais se encaixam mais no seu estilo?

Amo o Ricardo [Araújo Pereira]; não é segredo para ninguém. Tem também a nova série Ruído [do Bruno Nogueira]. A Inês Aires Pereira é também uma grande parceira do Porta dos Fundos. Também gosto muito do Bruno Aleixo - achava aquilo genial. Morro de rir com o César Mourão, é brilhante. A Bumba. Também gosto da Beatriz Gosta.

Há muita gente em Portugal a fazer humor de qualidade. Todos os tipos. Acho isso interessante. Vocês têm uma grande variedade humorística e fazem-me rir muito - e há muito tempo. O Gato Fedorento influenciou-me mais do que Monty Python.

E o que pensa do consumo da cultura portuguesa no Brasil? Ou seja: Portugal assiste a bastantes conteúdos culturais brasileiros, esteja relacionado com humor ou novelas, por exemplo. O contrário não parece acontecer, pois não?

Infelizmente, não. O Brasil aponta muito aos Estados Unidos e acho isso uma tristeza. E produtos latino-americanos tampouco. Somos vizinhos da Argentina ou do Uruguai e consumimos muito pouco. Deveríamos.

Estamos muito voltados para os Estados Unidos por uma questão geopolítica, quase financeira. Fomos colonizados. Depois de Portugal, primeiro pela Inglaterra, depois pelos Estados Unidos. Substituímos uma colónia por outra e eu acho isso uma pena.

Há países que falam a mesma língua do que nós - e se consumimos pouco vindo de Portugal, consumimos ainda menos produtos de Angola ou Moçambique. Acho uma tristeza porque dividimos a mesma língua, que tem também muitos aspetos culturais. Isso entristece-me e no Brasil faço o possível para espalhar a palavra da cultura portuguesa.

Mas, para ser justo, consumimos bastante literatura.

Como, por exemplo?

Não é que o Brasil seja um grande consumidor de literatura, mas aqui lemos muito Valter Hugo Mãe, José Saramago - claro - ou José Luís Peixoto. Miguel Sousa Tavares. De Moçambique, Mia Couto. [De Angola], José Eduardo Agualusa.

Infelizmente, acho que o Miguel Esteves Cardoso não é tão lido aqui quanto ele merecia. Miguel Esteves Cardoso é um bom exemplo de génio que o Brasil ainda não descobriu. Acho uma pena, falo para todos aqui. Mas ele não tem boas edições no Brasil, infelizmente. Tem este problema também.

Trata-se então de uma falta de abertura ou conhecimento no Brasil mais do que de Portugal tentar? Ou é um 'equilíbrio?

Acho que valia tentar. Os Estados Unidos não são à toa uma hegemonia cultural: tem que ver com um projeto de Estado e muito dinheiro investido. Não é só 'soft power', não é por acaso.

Portugal já teve festivais de teatro português no Brasil, foi assim que conheci o Tiago Rodrigues e me apaixonei pelo teatro dele. É um génio. O maior encenador do mundo hoje é o Tiago. Infelizmente, acho que esse festival não existe mais, assim como existem pouquíssimos mecanismos de incentivo à viagem da cultura portuguesa no Brasil. França, por exemplo, tem mil incentivos à publicação literária dos seus autores franceses. Portugal, se não me engano, não tem incentivos. E o Brasil a mesma coisa - não investe nisto.

É uma pena porque a cultura, além de advogar uma arte de um país, é também um aspeto social, financeiro, que gera muitos empregos. Os Estados Unidos investem porque sabem que é uma fonte gigantesca de rendimento.

Tenho pena de que os governos de Portugal e do Brasil não invistam mais nessa parceria. Das coisas que acontecem e que dão certo - como a Porta dos Fundos - é um pouco com o mérito exclusivamente dos artistas. Não tem nem dedo de participação governamental.

Temer e Bolsonaro extinguiram a pasta da Cultura porque acham que não é tão importante assim

Em Portugal acabámos de perder uma pasta exclusiva para a Cultura. Com a mudança de Governo, a pasta da Cultura está agora inserida na do Desporto e Juventude. É este um sinal de que se está a dar menos atenção.

É uma pena. Isso aconteceu no Brasil também nos anos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Extinguiram a pasta da Cultura porque acham que não é tão importante assim. Mas acho que ela é muito estratégica. É um pilar central.

Agostinho da Silva dizia que Portugal é um bonsai, porque as dimensões são pequenas e as proporções são gigantescas. Portugal é gigante graças à cultura. Para mim, onde Portugal é maior não é nas navegações, não é no seu passado. É no séc. XX/XXI na sua poesia. Portugal tem o maior poeta do séc. XX do mundo inteiro, que é o [Fernando] Pessoa. E tem dos maiores romancistas, como Saramago ou António Lobo Antunes - e tantos outros.

Onde Portugal é primeiro lugar do mundo inteiro é na cultura.

Se pudesse trabalhar com alguém português com quem ainda não tenha trabalhado, quem seria?

Tiago Rodrigues. O Tiago Rodrigues, mas não só. Gosto muito da Sara Barros Leitão. É brilhante. Apenas li a sua peça e vi um vídeo, mas sou fã. Dos textos dela, dela como atriz.

Leia Também: Peça 'O céu da língua' de Gregório Duviviver com data extra em Lisboa

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